terça-feira, 14 de setembro de 2010

José e seu pequeno tribunal pessoal

"Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado"
Assim fala o personagem principal, Riobaldo, de Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas.
Esta sentença tem a qualidade de mexer sobremaneira no modo como nós enxergamos a dinâmica dos fatos em nossa vida. Acontece um fato, você logo qualifica aquele fato como sendo bom, ruim, justo, injusto até mesmo qualifica-o como indiferente. Mas como qualificar um fato como sendo justo ou injusto e amanhã não poder mais enquadrá-lo nesta classificação? é... viver é muito perigoso.  
Vamos tentar dar um exemplo com uma estória.
José, morador de rua, acha uma carteira recheada de carne, ops, de dinheiro, me desculpe. Íntegro em seus valores, José procura o dono da carteira a fim de devolve-la. Ele não sabe ler mas sabe que outros sabem, e, por isso, vai até uma lanchonete e pede para a atendente ver se descobre quem é o dono da carteira. A atendente não consegue entrar em contato mas afirma conhecer o dono pois ele comumente lancha naquele local e o aconselha gentilmente a deixar ali a carteira a  fim de que ela mesma possa entregar. Preocupado com o destino da carteira, José não aceita a proposta, pois na verdade, ele só pode confiar em seus atributos de honestidade e não nos outros. Como poderia confiar em alguém que ele não conhece? Bom, eis a questão! Se ele não pode confiar em alguém que ele não conhece, é bem capaz de ele ter de convir que outras pessoas possam não confiar nele também, e, ao achar que é normal isso acontecer percebe que sua retidão, sua integridade não são atributos que ele pode atribuir a si mesmo, mas apenas atributos que os outros os dão. 
José depois de procurar mais dois lugares e receber a mesma resposta gentil de deixar a carteira a ser entregue ao possível cliente assíduo, sente fome e decide gastar um tostão da citada carteira recheada em um supermercado.Ele, maltrapilho, ao entrar em um supermercado com um grande bolo de dinheiro é logo detido pelos seguranças e posteriormente preso pela polícia. Espera dentro da delegacia três meses até ser transferido para uma casa de custódia, onde fica dois anos preso sem ser processado. No terceiro ano de prisão é condenado a cumprir pena em regime semi-aberto, e, enfim pode voltar para o lugar de onde nunca queria sair: a rua.
José estranhamente sente que seus companheiros de rua já não o olham da mesma maneira, percebe até mesmo olhares diferentes dos transeuntes da rua. Será que é psicose sua? José está vendo coisas que não existem? ou será que existe? As pessoas o julgam como criminoso, elas enxergam nele o criminoso - aquele a quem deve ser culpado os altos índices de criminalidade. É assim que eles o olham, e, principalmente, é assim que ele se olha. 
"Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado"
José, analfabeto, inaducado, quem será educado ou esclarecido o suficiente para saber lidar com seus julgamentos sobre si mesmo?

Um comentário:

  1. Pô, cabeça
    Vc escreve bem pra caramba! (eu não conhecia essa sua habilidade)

    Quanto aos temas que vi se cruzarem pelo texto, um deles sempre me intrigou: o que nos legitima a julgar negativamente os outros? Ainda estou buscando essa resposta, se encontrar, me avise...

    Escreva mais!

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